domingo, 21 de março de 2010

Reescrevo o que gosto, letra por letra; na esperança de que meus dedos se acostumem com a beleza das palavras alheias.

Rainha Gertrudes (sobre a morte de Ofélia) :

Há um salgueiro que cresce inclinado no riacho
Refletindo suas folhas de prata no espelho das águas;
Ela foi até lá com estranhas grinaldas
De botões-de-ouro, urtigas, margaridas,
E compridas orquídeas encarnadas,
Que nossas castas donzelas  chamam dedos-de-defunto,
E a que os pastores, vulgares, dão nome mais grosseiro.
Quando ela tentava subir nos galhos inclinados,
Para aí pendurar as coroas de flores,
Um ramo invejoso se quebrou;
Ela e seus troféus floridos, ambos,
Despencaram juntos no arroio soluçante.
Suas roupas inflaram e, como sereia,
A mantiveram boiando um certo tempo;
Enquanto isso ela cantava fragmentos de velhas canções,
Inconscientes da própria desgraça
Como criatura nativa desse meio,
Criada para viver nesse elemento.
Mas não demoraria pra que suas roupas
Pesadas pela água que a encharcava,
Arrastassem a infortunada do seu canto sauve
À morte lamacenta.


Ato 4, Cena 7, Hamelt, William Shakespeare.

2 comentários:

Sonia Pallone disse...

Que lindo o prefácio que vc deu pra esse texto...Uma verdadeira poesia explícita ! Bjs. Estou te seguindo.

Rodrigo Mercadante disse...

For you my sweet prince!
Não me lembro o autor...

SE EU FOSSE HAMLET
Se eu fosse Hamlet
comprava flores para Ofélia, goma de mascar inglesa,
transistor com fones de ouvido,
champanhe, palitos --
e a convidaria para viajar
a Florença ou Roma. Se eu fosse Hamlet
dava de presente a ela uma gaiola cheia de pipilantes tentilhões
um par de patins de estela do gelo
uma permanente para os aerobarcos suecos. Se eu fosse Hamlet
me concentrava na minha vida amorosa
em vez de ficar a remoê-la por aí;
loteava Kronborg
em apartamentos de condomínio,
e ia morar numa casa em Fiolgade
-- talvez comprasse até um colchão de água -- Se eu fosse Hamlet,
mandava às favas todas as especulações sombrias
e seria mais do que sou agora,
em vez de ficar só pensando a respeito
e fazendo longas preleções sobre. Não me intrometeria mais na vida sexual de mamãe,
se eu fosse Hamlet.
Admitiria logo que o velho está morto
e não ia mais perambular pelas noites escuras atrás
de um fantasma que no coração só tem vingança
Se eu fosse Hamlet,
deixava Polônio ficar atrás das cortinas
tanto quanto lhe desse na telha:
afinal de contas é só um velho gagá --
e me recusava a andar, fosse onde fosse,
com tipos tão ridículos quanto Gildensfúncio e Rosentonto
ou como quer que se chamem --
Se eu fosse Hamlet,
ia farrear com Horácio
beber chope com Frank Jaeger,
jogar dados com marujos nalgum boteco do porto,
andar com donas suecas,
mandar tatuar no braço:
"Ophelia, I Love You",
logo abaixo de um coração em chamas -- isso se eu fosse Hamlet.