sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Ditadura do Sol

Vila Rica era uma cidadela comum. Não muito diferente de todas as outras do mundo, continha ruelas, um rio forte e cortante e só se diferenciava das outras por ter um sol muito próximo que fazia o asfalto evaporar e quase nenhuma brisa. Os únicos ventos conhecidos eram os que traziam as paixões. E eram esses os ventos responsáveis pelo vôo desordenado dos lençóis de Joana Antunes.

E como nem todos nascem para o amor como Joana quase nenhum vento visitava Vila Rica, de forma que era o sol quem comandava os costumes da cidade. E estava decretado há muito tempo que no horário das doze às duas da tarde era a hora do sol descer e ficar tão perto de Vila Rica que qualquer desavisado que se atrevesse a manter as portas abertas, os ventiladores desligados ou a andar pela rua aquela horário morreria vermelho e seco como madeira de cupim.

Uma prova da eficiência do calor se deu quando Josemar Luaudo, o entregador de ovos, corria desesperado para casa, pois faltavam apenas cinco minutos para a hora infernal, e sem perceber deixava na calçada uma trilha de ovos espatifados até que entrou em casa e só havia dois ovos dos cinqüenta que precisava entregar.

Quando, as duas e quinze, Josemar Luaudo saiu às ruas em busca de reparar o estrago, percebeu que os mendigos faziam a festa comendo na calçada pois os ovos haviam fritado.

sábado, 12 de setembro de 2009

Luiz Gepeto

Luiz Gepeto não conseguia ver outra mulher em sua vida que não fosse Joana Antunes, e não fazia nada para esconder nem dela nem de ninguém a efusão interior externada no suor frio das mãos que a imagem de Joana lhe causava.


Por nunca ter sido tão amada Joana aceitou e namoraram durante 2 meses e 24 dias. Só que algo perturbava aquela jovem, sentia que a qualquer hora podia bater-lhe no rosto a brisa fina da paixão de maneira que preferiu olhar fundo nos olhos intranqüilos de Luiz Gepeto e dizer-lhe que não queria mais, quando na verdade queria ter dito que se sentia perdendo tempo com alguém como ele enquanto poderia estar envolta nos braços de um outro que lhe fizesse sentir o voo dos pássaros na barriga e a efusão de anseios que eram sintomas do amor.


O rapaz que a amava de forma doentia tomou um destino triste, e fez contra a amada coisas com o coração amargurado que se fazem melhor longe desta história. Porque inclusive a nossa protagonista nem se lembra mais das burrice deste pobre e guarda no peito apenas um sorriso apaixonado quando o assunto é Luiz Gepeto.



Joana Antunes

A partir de então Joana Antunes conservou o hábito de lavar a roupa do amor com as jasmins do quintal e estende-las na sacada para apreciar o voo dos lençóis enquanto, no seu apartamento vazio, fumava escondido o cigarro de sua solidão.


Sentada Joana Antunes lembrava dos amores contrariados, dos prazeres perdidos e não entendia porque merdas tinha chegado aquele extremo. O extremo de ser só. Como podia uma mulher dotada de conhecimentos encontrar-se assim, daquela maneira. De qualquer forma tinha a lembrança como uma companheira fiel. A verdade é que a vida de Joana Antunes a transformou em uma mulher nostálgica. Sentia falta de tudo, e o cheiro de jasmim lhe lembrava os amores da vida e a malícia infantil.


Durante a infância sempre fora a primeira a propor as brincadeiras de desafios pois sabia muito bem onde iriam chegar, de forma que quando completou dez anos já havia visto quase todos os meninos de Vila Rica. Joana nascera para o amor, porém aos quatorze descobriu os prazeres das partes baixas com os rapazes do mercado, e enganou-se pensando que aquilo era amar. Esse engano perdurou a vida inteira.


terça-feira, 8 de setembro de 2009

Holly Golightly

"Não ame nunca um bicho selvagem, sr. Bell", Holly o aconselhou. "Esse foi o erro de Doc. Sempre voltava para a casa com alguma coisinha selvagem. Um falcão de asa machucada. Até um lince crescido com pata quebrada. Mas não dá para entregar seu coração a um bicho desses: quanto mais você dá, mais forte ele fica. Até que fica forte o bastante para voltar para o mato. Ou para voar até uma árvore, depois para outra mais alta, depois para o céu. É assim que acaba, sr. Bell. Se a gante amar um bicho selvagem, vai acabar olhando para o céu"








"Ela está bêbada", Joe Bell me informou.
Bonequinha de Luxo, p. 66. Truman Capote

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Ah, fumarás demais, beberás em excesso, aborrecerás todos os amigos com tuas histórias desesperadas, noites e noites a fio permanecerás insone, a fantasia desenfreada e o sexo em brasa, dormirás dias adentro, noites afora, faltarás ao trabalho, escreverás cartas que não serão nunca enviadas, consultarás búzios, números, cartas e astros, pensarás em fugas e suicídios em cada minuto de cada novo dia, chorarás desamparado atravessando madrugadas em tua cama vazia, não consegurás sorrir nem caminhar alheio pelas ruas sem descobrires algum jeito de esquecer que ele pode ser feliz com alguém que não é você.



Caio Fernando Abreu