quarta-feira, 29 de junho de 2011


Nós acrobatas...

Os Acrobatas

Subamos!
Subamos acima
Subamos além, subamos
Acima do além, subamos!
Com a posse física dos braços
Inelutavelmente galgaremos
O grande mar de estrelas
Através de milênios de luz.

Subamos!
Como dois atletas
O rosto petrificado
No pálido sorriso do esforço
Subamos acima
Com a posse física dos braços
E os músculos desmesurados
Na calma convulsa da ascensão.

Oh, acima
Mais longe que tudo
Além, mais longe que acima do além!
Como dois acrobatas
Subamos, lentíssimos
Lá onde o infinito
De tão infinito
Nem mais nome tem
Subamos!

Tensos
Pela corda luminosa
Que pende invisível
E cujos nós são astros
Queimando nas mãos
Subamos à tona
Do grande mar de estrelas
Onde dorme a noite
Subamos!

Tu e eu, herméticos
As nádegas duras
A carótida nodosa
Na fibra do pescoço
Os pés agudos em ponta.

Como no espasmo.

E quando
Lá, acima
Além, mais longe que acima do além
Adiante do véu de Betelgeuse
Depois do país de Altair
Sobre o cérebro de Deus

Num último impulso
Libertados do espírito
Despojados da carne
Nós nos possuiremos.

E morreremos
Morreremos alto, imensamente
IMENSAMENTE ALTO.

Vinícius de Moraes

Ao amigo que me fez lembrar de subir alto e a quem, agora, eu ofereço.

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Documentário sobre o cineasta Marcos Jorge

Se existe uma promessa para o cinema nacional, sem dúvida, Marcos Jorge é uma delas. Seu primeiro longa lançado em 2007 representa muito de sua linguagem e revela por que ele figura no patamar das apostas brasileiras para as artes.

Estômago é um longa-metragem que conta a história de Alecrim, um imigrante nordestino que vai para São Paulo. Lá, (ou aqui, sei lá) ele começa a trabalhar na cozinha de um boteco. Inesperadamente, as coxinhas feitas por ele tornam-se sucesso. Logo depois, ele é contratado para um restaurante italiano. Só que a história não se basta nisso. Paralelo a descoberta do talento culinário de Alecrim, o público também descobre um Alecrim encarcerado que literalmente pega as pessoas pelo estômago. Revelando um  jogo de poder na prisão que é estabelecido - no caso dessa personagem - pela comida.

Entre o Alecrim do restaurante e o da prisão, a diferença e as semelhanças vão aparecendo no decorrer da história.  Não é preciso nem dizer que o êxtase do filme é o momento em que se descobre o que liga os  dois momentos da vida do protagonista.  Existe um ar quase Almodóvar nas cores fortes e nas personagens surpreendentemente humanas.

Ok. Paro por aqui. Não é só por Estômago que escolhemos Marcos Jorge para ser o objeto central das nossas lentes documentais. Existe nele e na sua história uma fórmula verdadeira de artista. Uma inquietação e uma vontade que nos contagiou e transformou esse projeto no nosso objetivo durante alguns meses. O produto final não é tudo que queríamos dizer, mas serve como piloto das nossas ideias e linguagens.

Assistam, não sem antes ligar o botão da crítica  e soltar tudo em comentários depois.


segunda-feira, 13 de junho de 2011

Marcha pela Liberdade

Em tempos onde a nossa própria história é ameaçada por peças como José Sarney, que mandou excluir o processo de impeachment do Collor da galeria Túnel do Tempo, no Eixo Monumental, em Brasília,  é preciso lutar também pela liberdade da história brasileira.

Sarney justifica-se dizendo que “o episódio não devia ter acontecido”.

Eu marcho pela memória brasileira.






E pela saudade dos  meu amigos acreanos...

domingo, 12 de junho de 2011

A história de Antônio Chrysóstomo

CASO CHRYSÓSTOMO
O julgamento de um preconceito pela sociedade "progressista"

Existe um pedaço da história da imprensa canalha que eu preciso reiterar.

Jornalista Antônio Chrysóstomo
Antônio Chrysóstomo foi um jornalista e crítico de arte bastante conhecido no Brasil da década de 70. Fez parte do conselho editorial da primeira publicação brasileira dirigida aos homossexuais, o jornal Lampião de Esquina, e destacou-se no jornalismo como crítico de música popular brasileira. Antes de trabalhar na imprensa alternativa, passou por grandes veículos de comunicação como o jornal O Globo e a revista Veja – que, mais tarde, exerceria papel fundamental no caso com falsas acusações.

Em 1979, Chrysóstomo adotou uma menina de três anos de idade, chamada Cláudia, que vivia mendigando na rua com sua mãe. Ela era encontrada na porta da redação do Lampião de Esquina, onde o jornalista trabalhava na época. Um ano depois da adoção, ele foi denunciado pelas vizinhas do prédio e pela empregada por ter maltratado e estuprado a menina. 

Edição do Lampião de Esquina, primeiro
periódico brasileiro destinado
aos homossexuais 
Com a denúncia, formou-se uma espécie de Comitê de Caça a Chrysóstomo, que inclusive levou o jornal Lampião a sofrer intensas ameaças. Pouco depois, a menina foi retirada da custódia dele e levada para a Fundação Nacional do Bem-estar do Menor, onde passou a viver, desde então. 

O juiz pediu que Cláudia fosse examinada e os médicos legistas constataram integridade do hímen. Ainda assim, ele foi indiciado em processo criminal. A imprensa explorou o caso com sensacionalismo. O jornal “A Luta” do Rio noticiou que Chrysóstomo teria sido preso. No dia seguinte à falsa notícia, ele recebeu ordem de prisão preventiva. O seu trabalho no jornal Lampião foi usado como argumento para sua prisão. Uma matéria na Veja cria um perfil perverso do jornalista usando hipóteses como fatos. O texto diz que o jornalista promovia orgias sexuais em casa e chegara a ficar 48 horas seguidas num bar sentado sobre suas fezes e urina.

A Folha de S. Paulo, jornal tido como um dos mais liberais do país, se recusou a dar matéria dando voz ao acusado. E o Sindicato dos Jornalistas do Rio de Janeiro hesitou muito até fornecer à Justiça um atestado de que ele exercia a profissão havia mais de vinte anos. A imprensa ainda acusou a militância gay de aproveitadora e o Sindicato dos Jornalistas de irresponsável pela mobilização em defesa ao acusado. O Sindicato só defendeu Chrysóstomo frente a falta de comprovação das acusações.

Capa da edição 679,  da revista Veja,
 com a matéria de Chrysóstomo.
Depois de montada a história, a imprensa e a justiça brasileira ignoraram alguns fatos. Como o relatado por João Silvério Trevisan, no livro Devassos no Paraíso, onde uma das primeiras testemunhas, chamada para reiterar o caso, pediu desculpas, chorando, e disse que tinha sido forçada a mentir por um consenso das vizinhas, que o queriam fora do prédio. Um dos motivos para tirar Chrysóstomo do prédio era que ele fazia festas onde não se ouviam vozes de mulher. 

É preciso abrir um parênteses para um fato importante do Caso Chrysóstomo:  o Brasil vivia um momento de abertura política, e os “progressistas” – podemos incluir aí a imprensa da época - foram os que mais perseguiram o caso de forma irresponsável. Isso denuncia um movimento que se diz progressista e liberal, mas que age de forma contrária ao discurso. Um pouco o que a imprensa atual continua a fazer, não assumindo publicamente posições e se escondendo atrás de um discurso que só faz perpetuar, através das notícias, seus interesses próprios. 

Por fim, Chrysóstomo ficou alguns anos preso, condenado por atentado ao pudor, por maus-tratos a menor e por periculosidade social. Em 83, depois de cumprir parte da pena, ele foi julgado em segunda instância e considerado inocente. A alegação foi de que o julgamento anterior baseava-se não em provas mas em conjecturas. Quando saiu escreveu um livro sobre sua história, chamado Caso Chrysóstomo: O Julgamento de Um Preconceito. Dedicou o livro à menina Cláudia, que nunca mais viu. Morreu logo depois do lançamento de sua história. Até hoje, nenhuma retratação da imprensa.