terça-feira, 28 de julho de 2009

Federico Garcia Lorca

Porque eu fui com o outro, eu fui!
Você também teria ido. Eu era uma mulher abrasada, cheia de chagas por dentro e por fora, e seu filho era um pouquinho de água de quem eu esperava filhos, terra, saúde; mas o outro era uma rio escuro cheio de ramos, que me trazia o rumor de seus juncos e seu cantar entre dentes. E eu corria com seu filho, que era como um menino de água fria, e o outro me mandava centenas de pássaros que me impediam de andar e que derramavam geada nas minhas feridas de pobre mulher consumida, de moça acariciada pelo fogo. Eu não queria, está ouvindo? Eu não queria. Seu filho era meu fim e eu não o enganei, mas o braço do outro me arrastou como a maré, como a cabeçada de um mulo, e teria me arrastado sempre, sempre, mesmo que eu fosse velha e todos os filhos de seu filho me puxassem pelo cabelo.



Eu também iria.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Cante-se uma única canção.

Cantar não era com ele.
Nunca soube nada sobre afinação, nem a dos outros nem a sua. Descobriu não cantar com os amigos, sempre que cantavam "parabéns", alguém o olhava com reprovação. Não é assim, diziam. Também nunca teve ritmo. Era sempre a palma descompassada, atrasada ou acelerada no meio das mãos, mas nunca a certa.

Um dia cantando para um amor, ouviu um elogio. Você canta bem, disse. Não se sabe se o elogio foi de fato verdadeiro, ou foi um delírio de amor. Desses famosos por cegar e, possivelmente, nesse caso ensurdecer. Mas o elogio prevaleceu a qualquer teoria contraria. Feliz ficou. Entoou outras canções, mas com elas não vinham elogios. Cantou a mesma que cantou ao amor. E percebeu.

Era ela,a musica, que se vestia ao seu timbre. Não ele que com noções de voz cantava ela. A música cantava a sua voz. Por isso, só aquela melodia funcionava. Ele continuava ignorante, sem ritmo e desafinado. Agora era a música quem cantava ele, ela quem fazia o trabalho. A partir da descoberta passou a cantar a mesma canção.
Sempre.


As coisas foram mudando na sua vida.
Coisas ruins aconteciam sem saber por quê. Chuvas nas horas erradas, palavras confusas, ações incompreensíveis, tudo o fazia mal.
Por isso, parou de cantar.

No mesmo momento, as chuvas pararam, palavras foram esclarecidas e as ações compreendidas. Traumatizou.
E devaneando descobriu a razão do distúrbio.
Era a música, aquela que o vestia tão bem. As suas letras eram carregadas de confissões. De medo. E por um tempo ousou dizer, maldições. A música era maldita, dizia a si mesmo. Não voltou a cantar com a beleza de antes.
Nem aquela, nem as outras.

Quis o destino que a única melodia suave à sua voz fosse por motivos desconhecidos dona das artes de fazer mal, de mal dizer.

Ficou fadado por toda vida a não cantar, a manter-se calado inclusive nas rodas de parabéns.
olho os outros blogs.
olho o meu.




e me acho tão depressivo.