quarta-feira, 13 de julho de 2011

A razão de estar aqui


Feliz Aniversário, Vó Creuza. 

2 comentários:

Rodrigo Mercadante disse...

Este retrato de família
Está um tanto empoeirado.
Já não se vê no rosto do pai
Quanto dinheiro ele ganhou.

Nas mãos dos tios não se percebem
As viagens que ambos fizeram.
A avó ficou lisa, amarela,
Sem memórias da monarquia.

Os meninos, como estão mudados.
O rosto de Pedro é tranquilo,
Usou os melhores sonhos.
E João não é mais mentiroso.

O jardim tornou-se fantástico.
As flores são placas cinzentas.
E a areia, sob pés extintos,
É um oceano de névoa.

No semicírculo das cadeiras
Nota-se um certo movimento.
As crianças trocam de lugar,
Mas sem barulho: é um retrato.

Vinte anos é um grande tempo.
Modela qualquer imagem.
Se uma figura vai murchando,
Outra, sorrindo, se propõe.

Esses estranhos assentados,
Meus parentes? Não acredito.
São visitas se divertindo
Numa sala que se abre pouco.

Ficaram traços de família
Perdidos no jeito dos corpos.
Bastante para sugerir
Que um corpo é cheio se surpresas.

A moldura deste retrato
Em vão prende seus personagens.
Estão ali voluntariamente,
Saberiam – se preciso – voar.

Poderiam subtilizar-se
No claro-escuro do salão,
Ir morar no fundo dos móveis
Ou no bolso de velhos coletes.

A casa tem muitas gavetas
E papéis, escadas compridas.
Quem sabe a malícia das coisas,
Quando a matéria se aborrece?

O retrato não me responde,
Ele me fita e se contempla
Nos meus olhos empoeirados.
E no cristal se multiplicam

Os parentes mortos e vivos.
Já não distingo os que se foram
Dos que restaram. Percebo apenas
A estranha ideia de família

viajando através da carne.



Carlos Drummond de Andrade

Artur Mattar disse...

viva vó creuza!!!! "o homem é o que tem nas mãos"