sábado, 30 de janeiro de 2010

"Eu era um jovem louro e saudável quando adentrei a baia de Guanabara, errei pelas ruas do Rio de janeiro e conheci Teresa. Ao ouvir cantar Teresa, caí de amores pelo seu idioma, e após três meses embatucado, senti que tinha a história do alemão na ponta dos dedos, a escrita me saia espontânea, num ritmo que não era o meu, e foi na batata da perna de Teresa que escrevi as primeiras palavras na língua nativa. No principio ela até gostou, ficou lisonjeada quando eu lhe disse que estava escrevendo um livro nela. Depois deu para ter ciúme, deu para me recusar seu corpo, disse que só a procurava a fim de escrever nela, e o livro já ia pelo sétimo capítulo quando ela me abandonou. Sem ela, perdi o fio do novelo, voltei ao prefácio, meu conhecimento da língua regrediu, pensei até em larga tudo e ir embora para Hamburgo. Passava os dias catatônicos diante de uma folha de papel em branco, eu tinha me viciado em Teresa. Experimentei escrever alguma coisa em mim mesmo, mas não era tão bom, então fui a Copacabana procurar as putas. Pagava para escrever nelas e talvez lhes pagasse além do devido, pois elas simulavam orgasmos que me roubavam toda a concentração.  Toquei na casa de Teresa, estava casada, chorei, ela me deu a mão, permitiu que eu escrevesse umas breves palavras enquanto o marido não vinha. Passei a assediar as estudantes, que às vezes me deixavam escrever em suas blusas, depois na dobra do braço, onde sentiam cócegas, depois na saia, nas coxas. E elas mostravam esses escritos às colegas, que muito os apreciavam e subiam ao meu apartamento e me pediam que escrevesse o livro na cara delas, no pescoço, depois despiam a blusa, me ofereciam os seios, as barrigas e as costas. E davam a ler meus escritos a novas colegas que subiam ao meu apartamento, imploravam para arrancar suas calcinhas, e o negro das minhas letras reluzia em suas nádegas rosadas.  Moças entravam e saiam da minha vida e meu livro se dispersava por aí, cada capítulo a voar para um lado. Foi quando apareceu aquela que se deitou em minha cama e meu ensinou a escrever de trás para adiante. Zelosa dos meus escritos, só ela os sabia ler, mirando-se no espelho, e de noite apagava o que de dia fora escrito, para que eu jamais cessasse de escrever meu livro nela. E engravidou de mim, e na sua barriga o livro foi ganhando novas formas, e foram dias e noites sem pausa, sem comer um sanduiche, trancado no quartinho da agência, até que eu cunhasse, no limite das forças, a frase final: E a mulher amada, cujo leite eu já sorvera, me fez beber da água com que havia lavado a sua blusa."


Budapeste, romance de Chico Buarque