A
histórica foto da menina correndo nua com queimaduras no corpo, logo após uma
bomba de líquidos inflamáveis ser lançada pelo exército norte-americano em um pequeno
povoado chocou a opinião mundial, durante a Guerra do Vietnã em 1972 . A
realidade da imagem trouxe contornos mais humanos para o olhar sobre o conflito
e foi o estopim para que a população norte-americana pressionasse o fim da invasão.
E, assim, aconteceu. Em 1973, o então presidente Richard Nixon assinou o acordo
de paz entre os Estados Unidos e os vietnamitas.
Hiroshima
do jornalista John Hersey é como esta foto. Também chocou e trouxe novos
olhares para o assunto da bomba atômica. Teve enorme impacto pelo realismo; e como
testemunho humano daquele acontecimento subverteu as opiniões sobre a corrida (energia) nuclear e o seu uso como material de guerra.
O que é, hoje, considerado por muito como a mais importante reportagem do século foi
fruto de uma visita à Hiroshima um ano depois do ataque. Hersey, repórter
enviado pela The New Yorker, conhecida pelo seu primor editorial e pelas grandes
reportagens, colheu depoimentos de sobreviventes e apurou minuciosamente os
efeitos do monstruoso cogumelo atômico.
Em 17 dias
de imersão no Japão, elegeu seis histórias, que sob uma descrição objetiva retratam os acontecimentos durante e os efeitos, 40 anos mais tarde, do que
seria chamado de o primeiro experimento de energia nuclear usado contra civis.
Sem quase
nenhum adjetivo, os fatos acontecem em frases diretas. E aproximam a narração do
ritmo real dos acontecimentos. O
jornalista começa a reportagem, essencial para qualquer estudante de jornalismo
literário, com a simplicidade de um lead. “No dia 6 de agosto de 1945,
precisamente às oito e quinze da manhã, hora do Japão, quando a bomba atômica
explodiu sobre Hiroshima...”
Sabe-se
que uma das premissas de misturar jornalismo e literatura é justamente esquecer
o lead - jargão que tecnicamente identifica o início da matéria com as
informações mais importante. É nele,
porém, que John Hersey se agarra para iniciar a viagem dos acontecimentos, a
partir daquela manhã de 45.
O
trabalho de Hersey é a prova da necessidade de unir o rigor jornalístico e a
atmosfera ficcional. O factual não
poderia dimensionar o tamanho do ocorrido para o resto do mundo e,
principalmente, para a população norte-americana.
Com 31 347 palavras, Hiroshima ocupou uma edição inteira da The New Yorker (salvo as
páginas do roteiro cultural) e conseguiu esvaziar 300 mil exemplares das bancas
de revistas em minutos. Algum tempo depois, a publicação estava à venda pelo
triplo do preço no comércio informal.
A
importância de Hiroshima está muito mais ligada ao seu papel em um momento
histórico e a transformação do pensamento norte-americano do que pela escrita de
Hersey, baseada na precisa descrição dos fatos. Assim como a desesperadora foto
da menina com o corpo todo queimado, correndo nua no asfalto, Hiroshima é,
talvez, o único documento sobre o uso das pesquisas nucleares contra civis. E,
pela sua humanidade, como a foto, um documento mundial em defesa da paz.
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