sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Hiroshima: o documento da bomba atômica




A histórica foto da menina correndo nua com queimaduras no corpo, logo após uma bomba de líquidos inflamáveis ser lançada pelo exército norte-americano em um pequeno povoado chocou a opinião mundial, durante a Guerra do Vietnã em 1972 . A realidade da imagem trouxe contornos mais humanos para o olhar sobre o conflito e foi o estopim para que a população norte-americana pressionasse o fim da invasão. E, assim, aconteceu. Em 1973, o então presidente Richard Nixon assinou o acordo de paz entre os Estados Unidos e os vietnamitas.

Hiroshima do jornalista John Hersey é como esta foto. Também chocou e trouxe novos olhares para o assunto da bomba atômica. Teve enorme impacto pelo realismo; e como testemunho humano daquele acontecimento subverteu as opiniões sobre a corrida (energia) nuclear e o seu uso como material de guerra.

O que é, hoje, considerado por muito como a mais importante reportagem do século foi fruto de uma visita à Hiroshima um ano depois do ataque. Hersey, repórter enviado pela The New Yorker, conhecida pelo seu primor editorial e pelas grandes reportagens, colheu depoimentos de sobreviventes e apurou minuciosamente os efeitos do monstruoso cogumelo atômico.

Em 17 dias de imersão no Japão, elegeu seis histórias, que sob uma descrição objetiva retratam os acontecimentos durante e os efeitos, 40 anos mais tarde, do que seria chamado de o primeiro experimento de energia nuclear usado contra civis.

Sem quase nenhum adjetivo, os fatos acontecem em frases diretas. E aproximam a narração do ritmo real dos acontecimentos. O jornalista começa a reportagem, essencial para qualquer estudante de jornalismo literário, com a simplicidade de um lead. “No dia 6 de agosto de 1945, precisamente às oito e quinze da manhã, hora do Japão, quando a bomba atômica explodiu sobre Hiroshima...”

Sabe-se que uma das premissas de misturar jornalismo e literatura é justamente esquecer o lead - jargão que tecnicamente identifica o início da matéria com as informações mais importante.  É nele, porém, que John Hersey se agarra para iniciar a viagem dos acontecimentos, a partir daquela manhã de 45.

O trabalho de Hersey é a prova da necessidade de unir o rigor jornalístico e a atmosfera ficcional.  O factual não poderia dimensionar o tamanho do ocorrido para o resto do mundo e, principalmente, para a população norte-americana.

Com 31 347 palavras, Hiroshima ocupou uma edição inteira da The New Yorker (salvo as páginas do roteiro cultural) e conseguiu esvaziar 300 mil exemplares das bancas de revistas em minutos. Algum tempo depois, a publicação estava à venda pelo triplo do preço no comércio informal.

A importância de Hiroshima está muito mais ligada ao seu papel em um momento histórico e a transformação do pensamento norte-americano do que pela escrita de Hersey, baseada na precisa descrição dos fatos. Assim como a desesperadora foto da menina com o corpo todo queimado, correndo nua no asfalto, Hiroshima é, talvez, o único documento sobre o uso das pesquisas nucleares contra civis. E, pela sua humanidade, como a foto, um documento mundial em defesa da paz. 

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