sábado, 31 de outubro de 2009

Poesia

O Tempo

A gente se deu tão bem
Que o tempo sentiu inveja
Ele ficou zangado e decidiu
Que era melhor ser mais veloz
E passar rápido pra mim

Parece que até jantei
Com toda a família e sei
Que seu avô gosta de discutir
E sua avó gosta de ouvir
Você dizer que vai fazer

O tempo engatinhar
Do jeito que eu sempre quis
Se não for devagar
Que ao menos seja eterno assim


Espero o dia que vem
Pra ver se te vejo
E faço o tempo esperar como esperei
A eternidade se passar
Nos meus segundos sem você

Agora eu já nem sei
Se hoje foi anteontem
Eu me perdi lembrando o teu olhar
O meu futuro é esperar
Pelo presente de fazer

O tempo engatinhar
Do jeito que eu sempre quis
Distante é devagar
Perto passa bem depressa assim

Pra mim, pra mim


Se o tempo se abrir talvez
Entenda a razão de ser
De não querer sentar pra discutir
De fazer birra toda vez
Que peço ao tempo pra me ouvir

A gente se deu tão bem
Que o tempo sentiu inveja
Ele ficou zangado e decidiu
Que era melhor ser mais veloz
E passar rápido pra mim


Eu que nunca discuti o amor
Não vejo como me render
Ah! Será que o tempo tem tempo pra amar
ou só me quer tão só?

E então, se tudo passa em branco eu vou pesar
A cor da minha angústia
e no olhar
Saber que o tempo vai ter que esperar

O tempo engatinhar
Do jeito que eu sempre quis
Se não for devagar

Que ao menos seja eterno assim

Movéis Coloniais de Acajú

domingo, 25 de outubro de 2009

Nem tudo foi do jeito que era pra ser. Não teve amor. Não teve paz. Eu imaginava uma coisa diferente, com muita luz, muita nuance, com situações estranhas nos aproximando. Ah, eu imaginava o céu bem próximo quando nos beijássemos. Imaginava o seu peito batendo perto dos meus pensamentos, enquanto descansávamos nossa felicidade no chão da sala. Lá fora podia chover, fazer sol, ventar nada importava. E eu me sentiria com uma certeza única de estar seguro. Mas isso seria o resultado, depois de termos passado por vários mal entendidos. Depois de termos brigado, sofrido, se reconciliado. Uma reconciliação única, eu imagino você chegando do trabalho cansado e triste por não estar comigo, e eu uns quarteirões atrás me remoendo por dentro enquanto fazem uma festa no meu quarto, eu sem saber o que fazer, o que esperar, sendo só insegurança e mais nada. Até que como quem bebe e cria coragem, eu saio correndo quarto a fora sem dar satisfação a ninguém, e sem ninguém se importar com meu desespero por que sabem muito bem para onde eu corro. Corto as esquinas, a brisa é forte e corta os lábios que tanto querem ser seus. Paro esbaforido frente ao seu prédio, olho a única janela que me interessa, e você está lá, como se me esperasse. E mais uma vez eu me encontro fazendo o papel desse romeiro, que tanto me persegue. Não falamos nada, por que não precisa. Ali nós dois temos a certeza de que somos um do outro, e que o mundo pode acabar, por que até aquele momento a vida já teve sentido por demais.
E depois de tudo isso passar por nossas cabeças, você iria sorrir, e eu iria morrer de paixão mais uma vez. Então você desceria as escadas para me buscar, pararia alguns segundos ao ter a certeza de que era eu mesmo ali e me abraçaria perdidamente, um gesto tão forte que acordaria algumas luzes vizinhas. Nós subiríamos os degraus sem sentir e cairíamos no chão do nosso desejo, ao fechar a porta do seu esconderijo. O depois não precisaria importar.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009


- Quando agente viaja, sai da nossa cidade, muda a rotina, sei lá, agente presta mais atenção no céu, não é?

- Hurrum, quando agente tá apaixonado também.

domingo, 11 de outubro de 2009

'Vai desabar água
Algodão vai,
Desabar água
Pra lavar o que tem que limpar
Pra lavar o que tem
Vai desabar água e é pro nosso bem.'




pra lavar o que tem que limpar.

sábado, 10 de outubro de 2009

O sobrevivente


Impossível compor um poema a essa altura da evolução da humanidade.
Impossível escrever um poema – uma linha que seja – de verdadeira poesia.
O último trovador morreu em 1914.
Tinha um nome de que ninguém se lembra mais.

Há máquinas terrivelmente complicadas para as necessidades mais simples.
Se quer fumar um charuto aperte um botão.
Paletós abotoam-se por eletricidade.
Amor se faz pelo sem-fio.
Não precisa estômago para digestão.

Um sábio declarou a O Jornal que ainda falta muito para atingirmos um nível razoável de cultura.
Mas até lá, felizmente, estarei morto.

Os homens não melhoram e matam-se como percevejos.
Os percevejos heróicos renascem.
Inabitável, o mundo é cada vez mais habitado.
E se os olhos reaprendessem a chorar seria um segundo dilúvio.

(Desconfio que escrevi um poema.)

Carlos Drummond de Andrade