Vila Rica era uma cidadela comum. Não muito diferente de todas as outras do mundo, continha ruelas, um rio forte e cortante e só se diferenciava das outras por ter um sol muito próximo que fazia o asfalto evaporar e quase nenhuma brisa. Os únicos ventos conhecidos eram os que traziam as paixões. E eram esses os ventos responsáveis pelo vôo desordenado dos lençóis de Joana Antunes.
E como nem todos nascem para o amor como Joana quase nenhum vento visitava Vila Rica, de forma que era o sol quem comandava os costumes da cidade. E estava decretado há muito tempo que no horário das doze às duas da tarde era a hora do sol descer e ficar tão perto de Vila Rica que qualquer desavisado que se atrevesse a manter as portas abertas, os ventiladores desligados ou a andar pela rua aquela horário morreria vermelho e seco como madeira de cupim.
Uma prova da eficiência do calor se deu quando Josemar Luaudo, o entregador de ovos, corria desesperado para casa, pois faltavam apenas cinco minutos para a hora infernal, e sem perceber deixava na calçada uma trilha de ovos espatifados até que entrou em casa e só havia dois ovos dos cinqüenta que precisava entregar.
Quando, as duas e quinze, Josemar Luaudo saiu às ruas em busca de reparar o estrago, percebeu que os mendigos faziam a festa comendo na calçada pois os ovos haviam fritado.